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segunda-feira, 17 de junho de 2013

Destino decerto incerto porém não esquecido

I - Sobre quem vos escreve


Aqui eu, homem livre de Lisboa
Escrevo sob o balanço do mar
Hoje o destino ri e caçoa
Hoje, por pessoa, vivo a penar

O vento vai na caravela, manso
E eu de pensar nela não me canso

Sou cria de João, de Isabel
De homem e mulher do Estoril
O homem fez do mar seu mausoléu
A mulher é simples e mui gentil

O vento vai na caravela, manso
E eu de pensar neles não me canso

Sou sonhador, bem como foi meu pai
Em tudo, como ele foi, sou eu
"O sonho morre, a alma se vai"
Então quem não mais sonha já morreu

O vento vai na caravela, manso
E eu de pensar nisso não me canso

Simples, para que Deus olhe por mim
Para eu ser como minha mãe é
"Meu bom filho - ela disse assim -
Largue-me só mas não largue a fé"

O vento vai na caravela, manso
E eu de pensar nisso não me canso

Sobre meus olhos esse céu se fecha
Como se bastasse de me ouvir
A solidão cai como uma flecha
Que não demore de novo o porvir

Pois agora, sob o céu negro, danço
De olhos fechados, sob vento ranço.





II - O hino da missão

Ir ao mar por ser guerreiro
Tal qual João ao passar as Tormentas
É tremer-se por inteiro
E não curvar-se às águas sedentas

O meu peito se conquista
Eu penso e anseio,  meu coração
Terras a perder de vista
Novo mundo se Deus der permissão

Ir ao mar por ser guerreiro
Tal qual João ao passar as Tormentas
É tremer-se por inteiro
E não curvar-se às águas sedentas

Vou como foi o bom Lemos
Que se fez homem de honra e fama
Nem outros fizeram menos
Gonçalo Coelho e Vasco da Gama

Ir ao mar por ser guerreiro
Tal qual João ao passar as Tormentas
É tremer-se por inteiro
E não curvar-se às águas sedentas

Não me esqueço de João
Que da família então se desfez
Ao partir em oração
Em junho de mil quinhentos e três

Ir ao mar por ser guerreiro
Tal qual João ao passar as Tormentas
É tremer-se por inteiro
E não curvar-se às águas sedentas

O tempo passou-se tanto
Um tanto tonto de tanto passar
E por isso hoje canto
Canto com alma, ao céu, ao luar

Ir ao mar por ser guerreiro
Tal qual João ao passar as Tormentas
É tremer-se por inteiro
E não curvar-se às águas sedentas

O sol se atreve e raia
Sua luz vem como se me desdenhasse
 Meu Deus! Avista-se praia?
Por Deus! O novo mundo mostra a face!

Tenho um lar, não mais Aveiro
Tal qual João ao passar as Tormentas
 E sei que seu paradeiro
É descansar no mar de águas lentas





III - Séculos depois

Eu, que vos falo agora, só vos falo agora
Do homem que acima escreveu não soube nada
Certamente perdeu-se pelo mundo afora
Num capítulo qualquer de sua jornada

Esse papel encontrei em minha cidade
A velha garrafa boiava pelos rios
Decerto perderam-se na eternidade
Suas memórias, aventuras, desafios


Henrique Fonseca
Ervália/Viçosa,  de 11 a 17 de junho de 2013


segunda-feira, 27 de maio de 2013

Do dia em que algo ruim foi embora, mas que sei que há de voltar

Tinha para mim que ser o nada já é algum ser
Se é grande a montanha, por que chegar ao cume?
Se meu sonho é longe, por que estou atrás?
Ser o ser sem sopro sem querer
Ver o corpo fraco em chorume
Tempos em que não fui tão sagaz...

Tempos atrás o desalento
Se fazia presente em minha sala
Então há tempos eu lamento
Pelo café que ele tirou sem pedir
E  pelo final, quando ele fala
"Logo chega o porvir"

E enquanto isso vai em frente
Ele ficou no passado
Por ele nunca tive apreço
Às vezes me faz parecer doente
Agora está ali, quebrado
Não faço questão de comprar-lhe gesso

Como há pouco disse um amigo, "tudo volta"
Linhas tortas não são abandonadas à morte
Passar dessa para uma melhor é só para humanos
Dessa ideia um humano se solta
E, se Deus o quiser ou por sorte,
Que fiquem por tempos embaixo dos panos

Por mais que elas algum dia voltem, a esmo
Não hão de ser como antes, tão loucas
Porque eu aqui já não sou o mesmo
As águas que neste rio correm são outras.


Henrique Fonseca, 27/05/2013




terça-feira, 14 de maio de 2013

À senhora que hoje faz anos


para Larissa Valdier

Que não são tantos que se perca de vista
Nem tão poucos que se caiba em mão
E o ano, d'outro ano por um ano dista
E assim eles se vão

Diz-se que os aniversários são dias de alegria
Em que gregos e troianos fazem-se presentes
A cantar e desejar glórias ao sujeito
E, como na Grécia Antiga, hoje em dia
Desejo a ti que viva tudo o que sentes
E todas as sublimes coisas que carrego no peito

Ame fazer anos
Como amas literatura
Perdoe-me pelos meus enganos
Por minhas promessas que já não aturas

Acima de tudo, que no futuro a chegar
Estejas aqui, de braços dados com a liberdade
Porque de pessoas que não conhece-se o olhar
Também tem-se saudades

Viçosa, 10/05/2013


terça-feira, 30 de abril de 2013

Seria essa viagem metalinguagem?

Havia algo preso no peito
Do mago que possuiu as palavras e com elas brincou
Mas a saudade falta-lhe com respeito
Entorna tempestades no sujeito
Mago sou

Faltava nele o sopro que o mantém em pé
Que ele usa para apagar as chamas
Mas quando se está na água, puro deleite é
"Melhor que ela, só ela de leite e café"
Diz o mago ao contar suas muitas famas

Quando mil feitiços forem lançados
Há de bradar-se aos céus de Marte
Ver o mundo em êxtase para todos os lados
Ver olhos cansados
A tirar os véus de sua arte

Ele tem uma paixão que há tempos o cativa
Ela o quer bem, e é difícil porque quer
Nas rimas pobres se esquiva
E tem o charme, ainda que não viva
Se esquiva com charme de mulher

Diz a lenda que o encontro acontece agora
Carpe Diem, Aurea Mediocritas, Locus Amoenus *
São as palavras ditas ali, do lado de fora
Enquanto os dois conversam sob a luz da aurora
E o vento frio encontra os rostos serenos

E então o sol nasceu
Nesse sonho singular
Num momento todo seu
O encontro já se deu
E é hora de entrar

Hoje o mago mostra-se um tanto inconsequente
Não se importa em quão grande é sua obra
Quer prolongar ao máximo o que sente
Como, se de repente
Ignorasse o que o mundo lhe cobra

Enfim lembro, falávamos da saudade que ardia
Vejo que ela foi embora, meio sem jeito
O mago terminou sua magia
Deu o nome poesia
E não há mais nada em seu peito.

Henrique Fonseca, 28/04/2013


*Carpe Diem, Aurea Mediocritas, Locus Amoenus: Expressões latinas tiradas da obra de Horácio e que acabaram virando pilares dos poetas árcades.

sábado, 13 de abril de 2013

Velho

Velho maldito, que põe seu violão o mundo a balançar
Faz, vez em sempre, questão de fazer tirar-se o chapéu
Leva as flores dançantes até a imensidão do ar
Faz pensar que eu, ao tocar, não toco o céu

Benditas chagas da mente velha, de cabelos brancos
De alma viva nas cordas da viola mansa
Que encantabrilha o mundo, com seu belo passo manco
Quem tem sorriso ingênuo ainda é criança

No rosto tracejado tem as lentes da sabedoria
Que a vista cansada não dispensa, não mais!
"Meu filho, as dor no peito aberto tá aqui noite e de dia"
Diz-se ter ficado assim por amar demais

Diz não saber diferenciar o prazer da dor
Porque não ouviu mais cedo o canto das gaivotas
Mas tudo lhe falta, todas as ânsias são mortas
Penso eu que seu lamento é choro, e se o for
Nada resta, nada não! Nada senão as notas

Toca as vidas
Toca os dedos
Troca os medos...
Por saídas

Henrique Fonseca, 13/04/2013

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Segundo o tempo...

Segundo o tempo
Tudo que se passa em um segundo
É tudo que o segundo pode suportar
E todo aquele que anda pelo mundo
Vê que o limpo e o imundo
Andam juntos, são um par

Todo aquele que quer ser o primeiro
E faz da vitória seu lar
Vê como dói, de janeiro a janeiro
Ser, por um segundo
O segundo a chegar

Assim como a areia do deserto
O tempo é infinito
Às vezes não se vê passar
Por que então, quando tudo está certo,
O segundo é tão sucinto,
Se o tempo é linear?

Henrique Fonseca, 08/04/13

terça-feira, 5 de março de 2013

Soneto do Velho Par

E já com cordas velhas ele segue
Na mão do homem triste, tão sozinho
Se por estradas tortas se atreve
Não há de ser difícil o caminho

Aquele que se vê em sua mão
É guerreiro de outras mil jornadas
E se Vossa Mercê não o vê são
"Sou velho senhor, sou notas forçadas"

De dedos mal-amados surge som
Sentados numa sombra, em cansaço
Ouço dois "fracassados" em um tom

Um homem, violão, cordas em aço
Unem-se em sublime ser, em dom
Enésima canção, um só compasso.

Henrique Fonseca, 05/03/2013